17/05/2013

Carta aberta a ti, meu amigo



Meu amigo,
É possível que estranhes esta carta. Faz tempo que não te dou atenção é normal a estranheza.
Hoje tive uma epifania. Ainda estou por perceber se levei com um vaso na cabeça ou se tropecei e bati com a cabeça na esquina da cómoda, mas mais importante que o galo na testa foi ter-me recordado o quanto me és importante.
Desculpa. 
Desculpa se apenas te escrevo agora. 
Desculpa se não tive tempo antes. 
Desculpa se os dias passam e se de mim não ouves nada mais que uns repetitivos "temos de-nos ver", "temos de nos encontrar", "depois eu ligo-te", "prometo que te digo qualquer coisa". Mas a verdade, absurda que só ela, é: não escrevi, não telefonei, nem visitei antes porque não escrevi, não telefonei, nem visitei antes. 
Só isso. Nada mais.

Ignorar-te não foi premeditado, assim como premeditado não é viver, mas aconteceu. E a pior parte é que aconteceu dias, meses, anos a fio. É estúpido, mas aconteceu - como só as coisas estúpidas sabem acontecer.

O facto de estar a viver longe de nação há quase 15 anos, a emigrar por ali e acolá, não serve de desculpa mas serviu para me roubar a atenção de ti. Estupidez esta de andarmos pelo mundo a fazer pela vida, quando a vida afinal não são mais que estes reencontros que eu e tu deveríamos viver.  
Faz anos que não te vejo, não conversamos, nem sequer partilhamos uma cerveja ou tão somente o mesmo espaço, ainda que no fundo possa nutrir por ti o que insisto chamar de amizade. 

Falhei-nos, a mim e a ti, na mesma proporção. Passa o tempo e não te desejo um bom natal, nem sequer um parabéns pelo teu aniversário - aquela mensagem que despejo no facebook não conta e tu bem sabes - e é provável que mais tempo passe sem o fazer, mas a vida é mesmo assim. Ou assim teimo que seja. Também podia dizer que o telefone funciona tanto para fazer chamadas como para as receber, mas o que interessa aqui é o mea culpa. As tuas razões não justificam o meu silêncio. Afinal de contas quem te deve uma visita sou eu.

Ficas a saber que não és o único a quem tenho ignorado pelas circunstâncias da vida, outros amigos há, noutros lugares, noutros sítios, de outras passagens e vidas que tive, a padecerem do mesmo tratamento injusto. Não me leves a mal. Também eu sou uma amiga ignorada por quem tenho saudades todos os dias, por quem não se recorda de mim no Natal ou no meu aniversário - a mensagem no facebook não conta e tu bem sabes - e a quem a vida passa sem aviso prévio. É assim a vida, dirão eles, os que me ignoram. Não os posso criticar.
     
É sem eu querer que os dias avançam e a memória da tua presença se afasta de mim. Às vezes sonho contigo, por vezes lembro-me de ti graças a um objecto, a uma situação, a uma recordação ou apenas porque aquela voz lá no fundo da alma reclama o teu nome, mas logo a apatia dos segundos que passam rouba mais um dia ao nosso possível reencontro. 

É verdade, sim, às vezes estou aí, bem perto, a escassos metros de ti empenhada noutros reencontros, noutras presenças a tentar encaixar em 60 minutos amigos e famílias e mais amigos e mais famílias num jeito atabalhoado. Uma injustiça para todos. Tanto para os que são encaixados, como para ti que ficas uma vez mais por encaixar. Acima de tudo, uma injustiça para mim. 

Estou sempre longe e mesmo quando estou perto, continuo longe. Sempre a adiar uma visita, um telefonema, um reencontro. Infelizmente habituei-me a este estado profundamente idiota e terrivelmente letárgico a minar com prazo de validade a nossa amizade. Como te digo, é um hábito péssimo. É um estado que se torna um modo de vida. Uma aventura arriscada que põe à prova a minha alma e me priva de receber um abraço, um beijo, um sorriso, um momento teu. Nosso.

Perdoa-me se a minha vida me roubou a tua presença. Perdoa-me se a merda dos voos para Portugal não são mais baratos. Perdoa-me se ainda não foi desta, nem em nenhuma das vezes que visitei esse país nos últimos 2, 5, 8, 11 anos, e consegui sentar-me numa esplanada a beber a cerveja combinada. Perdoa-me se me faço desaparecida. Perdoa-me se podia estar a teu lado quando precisavas e não estive. Perdoa-me se já pouco ou nada nos conhecemos. Perdoa-me se isto soa a mais um chorrilho de desculpas esfarrapadas.

E se porventura o teu perdão não for possível ou esta carta chegar tarde demais, fica sabendo que eu sei que tu sabes que eu sei que quem mais perde sou eu.

Até ao nosso (muito ansiado) reencontro

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