16/11/2012

The Age of Innocence

Nos últimos meses de 2007 Nicolas Sarkozy foi eleito presidente da República Francesa. Nessa altura muitos franceses saíram às ruas para protestar contra a sua vitória. Os protestos nas ruas rapidamente subiram de tom e numa questão de dias a violência arrebatou as principais cidades francesas. Polícia de choque, canhões d'água, pedras, ambulâncias, bastões, encapuzados, cordões policiais, montras destruídas, caixotes de lixo arruínados, sirenes, paragens de autocarros consumidas pelo fogo, gás lacrimogéneo, detenções, tiros de balas de borracha, carros em chamas, roubos, recolher obrigatório e sangue muito sangue. Por esta altura eu estava em Lyon, onde trabalhava, e recordo-me de tudo. Recordo-me de ter sido tudo muito feio, violento e, acima de tudo, triste.

Naquele que terá sido o mais violento dia de todos peguei na máquina fotográfica (tenho as fotos guardadas em Lisboa, partilharei quando puder) e fui para Place Bellecour, a maior praça da cidade. Pelo caminho, nas ruas perpendiculares à praça, vi muito carros patrulha e polícia de choque. De repente oiço disparos das granadas de gás lacrimógeneo e gente aos gritos. Não consegui chegar à praça. As pessoas fugiam como podiam, a correr, e escondiam-se onde dava. Eram pessoas de todas as idades e de todos os feitios. Eu fiquei quieta na ombreira da porta dum prédio. No meio da confusão perguntei a um dos manifestantes o que estava a acontecer em Bellecour e ele explicou-me que a polícia tinha feito um cerco de maneira a estrangular a manifestação, apanhando toda a gente de surpresa. Sem qualquer aviso, com os cacetetes e os escudos a desbravar a multidão. 

O gás obrigou-me a deixar a ombreira, era insustentável. Segui para uma rua mais pequena e reparei que no final dessa rua estava um grupo de pouco mais de 30 jovens manifestantes a fazer uma barricada com caixotes de lixo, motas, enfim, tudo o que tivesse à mão. Quando olhei para trás vi uma pequena coluna de polícia de choque, armados até aos dentes e a caminhar na direcção da barricada dos manifestantes. Eu estava provavelmente no único lugar onde não se deve estar: no meio dos dois grupos antagonistas! Os polícias aproximaram-se rapidamente de mim e gritaram comigo para que me desviasse, para que saísse dali e depressa. Não fiz perguntas, nem pedi esclarecimentos, resguardei-me do centro da rua novamente numa ombreira e fiquei a observar de longe. O polícia no fim da coluna apontou para mim e disse "não te atrevas a sair daí!". Eu fiquei petrificada. As granadas de gás eram disparadas, a barricada foi destruída pela polícia e os jovens manifestantes agredidos e detidos. 

Um deles foge na minha direcção com três polícias no encalço. Foi apanhado próximo de mim. Acho que nunca mais me irei esquecer do que vi. Aquilo era pior que na televisão e estava a acontecer à minha frente. Quando ía tirar uma foto um dos guardas reparou que eu estava a observar e dirigiu-se a mim. Eu virei costas e caminhei calmamente na direcção contrária. Rezei a todos os santinhos para a coisa não correr mal para o meu lado. Fiz a rua toda até ao fim, sem desaparecer da mira do polícia. Para bom entendedor...

Naquele dia, em Lyon, antes de sair de casa eu sabia bem quais poderiam ser as consequências das minhas próprias acções. Por acaso tive sorte. Mas se não tivesse tido sorte, a escolha de ter saído de casa e juntar-me a uma manifestação era minha e APENAS minha. 

Em Lisboa, por estes dias, a coisa ferveu, foi feia e também ela muito triste, mas quem está na rua nestes momentos deve saber para o que vai. Eu posso ter ido para às ruas de Lyon escudada por uma carteira profissional de jornalista, mas a minha intenção foi de observadora, de fotógrafa, de curiosa. E sabia bem para o que ía. Nestes momentos NÃO HÁ INOCENTES, pois quem observa também faz parte do jogo.

E este jogo tem regras muito claras, muitos violentas e não se compadece com idades, com estratos sociais ou com dificuldades motoras. 

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