28/05/2013

La Bella Italia D.O.C.


Quando cheguei a Itália trazia na cabeça um sem número de ideias românticas sobre o país. Estava ansiosa por descobrir toda uma Itália de sol quente, mar azul, curvas e contra-curvas de estradas esculpidas em desfiladeiros percorridas em Vespa, La Dolce Vita, limoncello, dolce fare niente, pizza, carbonara, gelados, tarantella, enfim o país que sugestivamente se intitula de La Bella Italia

Para minha felicidade La Bella Italia existe, mas não é "A" Itália. Com apenas 150 anos de existência como país unificado a Itália é um agregado de personalidades colectivas tão distintas - até opostas -  quanto as suas paisagens, cidades, regiões e dialectos. Milão, Turim e Bolonha jamais poderão ser comparáveis a Roma, Nápoles, Catanzaro ou Palermo. Em Itália existe o Norte e o Sul, assim como existe o sol e a lua. Coexistem mas jamais partilharão o céu lado-a-lado e às mesmas horas.

La Bella Italia existe - para minha felicidade, repito - e está toda ela concentrada aqui em Nápoles, redondezas - região de Campania - e regiões adjacentes. A meu ver, La Bella Italia deveria ser considerado um produto D.O.C. - Denominação de Origem Controlada - mas quis a História, e quem a protagonizou, que as qualidades se homogeneizassem - por toda a Itália - e os defeitos se concentrassem - a sul de Itália. E dum conjunto de regiões se fez aquilo que sem pudor acuso de bluff

Sophia Loren disse "Io non sono italiana. Sono napoletana...È un'altra cosa!". Sophia definiu-se como Nápoles pode ser definida: uma cidade plena de personalidade mas pouco de identidade nacional. Escolho utilizar o termo "pouco" ao invés do "nada" apenas porque no cenário histórico italiano existe um denominador comum: a língua italiana. 

Assim como os franceses, também os italianos estão fechados na sua língua. As referências linguísticas são todas em italiano ou traduzidas para italiano, a dobragem de filmes e até de músicas prevalece em detrimento da legendagem. "Estrangeirismo" é um termo praticamente inexistente para um povo cujo alcance e a abertura cultural se auto-limitam. Mas enquanto os franceses pavoneiam a língua francesa com astúcia, soberba e de nariz empinado, os italianos caminham com a língua italiana em braços, dando a sensação que lhes foi imposta. É este caminhar incerto dos italianos entre a língua-que-deveria-ser-mãe e o dialecto regional, que me faz perceber o quão decisiva foi a cartada da língua comum na construção da pátria. Sinto-a como uma espécie de "Terra de Ninguém" que serve a vida fora de portas mas à entrada de casa se verga perante o Rei e Senhor dialecto.

A clausura linguística assusta-me. Portugal é Portugal desde o longínquo ano de 1139, que é como quem diz, desde sempre. A identidade colectiva portuguesa vem de longe e está de braço dado com a língua portuguesa. É indissociável e, talvez por essa mesma razão, foi transmissível. Não está circunscrita a um território. É uma identidade colectiva, define a nossa personalidade. É uma língua antiga. Um sobrevivente que não deve explicações a ninguém. É um facto sem ser uma imposição. Pertence a todos os que fazem dela sua, mas nasceu a servir um país homogéneo na sua portugalidade. É uma língua adulta e livre. E é essa liberdade que lhe permite dar ao luxo de se silenciar por momentos e abrir horizontes, não se fechar em dobragens ou traduções simultâneas. Acredito que a flexibilidade da língua portuguesa moldou a nossa alma e os nosso feitos aventureiros, para o bem e para o mal.    

Há 150 anos, quando Vittorio Emanuele II unificou a Itália, estabeleceu-se o dialecto toscano como língua oficial italiana. A que tinha sido até então a língua dos maiores escritores do território italiano era elevada a símbolo nacional. Assim como a honra literária portuguesa foi defendida por Camões, também a honra italiana encontrou na Divina Comédia de Dante o seu expoente máximo. Mas enquanto Camões gritou a bravura portuguesa nos seus Lusíadas, Dante na sua Divina Comédia oscilou entre o paraíso e o inferno das gentes que rodeavam o seu território. Talvez Dante tenha sido mais honesto, mais humano e mais consciente, mas em Camões não encontramos escroques, nem fraudes, apenas um herói colectivo: o povo português.     

"Minha pátria é minha língua" escreveu Fernando Pessoa e apenas hoje percebo a dimensão deste escrito. A minha língua é o meu passado e o meu futuro. É a minha portugalidade. É o que define a minha nacionalidade como pessoa portuguesa sem receio de me confundir em outras nacionalidades ou outros jeitos de ser. É o que eu sou dê as voltas que der. 

Toda a Itália se apoderou do "drama e comédia" napolitanos, empacotando-o como um produto D.O.C. e etiquetando-o de La Bella Italia, mas em Nápoles fala-se e é-se napolitano e isso, já dizia Sophia, é un'altra cosa. 

1 comentário:

  1. Muito brevemente deves escrever um livro sobre a experiência que vives em terras de Dante.
    Pelos vistos está-te a entrar no sangue.
    Mas nota-se a milhares de quilómetros que a base é bem Lusitana.
    Basta ler os últimos parágrafos. Salta à vista.
    Bom artigo. Muito bom mesmo

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