28/01/2013

O Bairro do Amor

Secondigliano significa segunda milha. É o nome de um distrito periférico de Nápoles e um dos centros de acção dos Spagnoli (Espanhóis), um dos grupos sessecionistas da Camorra.
Secondigliano é feio e tudo o que é feio vem aqui parar: desemprego, mercado negro, drogas, insucesso escolar, crime organizado. A única coisa que aqui não existe é a micro-criminalidade, ou seja, pequenos furtos, assaltos à mão armada, etc. A razão para a inexistência deste braço criminoso é bastante simples: Secondigliano é o maior fornecedor de droga da região, talvez mesmo do país. E onde há droga a vender, não pode haver assaltos. A micro-criminalidade afasta a clientela. Simples! Ora, acredita ou não, este cenário faz com que Secondigliano seja uma das zonas mais seguras de Nápoles para andar a pé. Considerando o espaço amplo deste bairro, a meu ver, seria até um excelente candidato a uma belíssima ciclovia. Pena a paisagem urbana ser tão horrivelmente deprimente.


Secondigliano é um bairro assíduo nas primeiras páginas dos jornais do país. É um bairro que sabe muito sobre muita gente. É um bairro onde a guerra existe, onde se fazem ajustes de contas e onde se morre à queima-roupa por ordem dos clãs camorristas. Onde os chefes se escondem e são escondidos. Onde as reuniões do submundo mafioso acontecem. Onde não há lugar para a máfia romântica feita de honra e palavra de O Padrinho de Mario Puzo, mas apenas a putrefacta Gomorrah de Roberto Saviano.
Os Carabinieri estão sempre lá, num canto qualquer, estacionados ao lado da carrinha patrulha blindada, envergando coletes à prova de bala, de capacete e de metralhadora no braço. E não dizem bom dia a quem passa.
Há dias, noites e madrugadas em que o barulho dos helicópteros e das sirenes dos carros patrulha não deixam descansar quem decidiu viver ali a sua vida normal. Se é que viver no purgatório pode ser normal...


Eu passo muitas vezes por Secondigliano. Faz fronteira com o bosque onde eu gosto de correr - Capodimonte - e está no caminho para as grandes superfícies comerciais, tipo Auchan, Lidl e outros. Gosto de ir à feira às quintas-feiras (é tipo feira de Carcavelos) e, nos outros dias da semana, os sucateiros colocam pechinchas à beira das estradas que me obrigam a uma passagem - e paragem - frequente. 
Secondigliano é também, entre todas estas coisas aqui enumeradas e outras por enumerar, o local onde está situada uma das mais importantes penitenciárias italianas de segurança máxima. Aqui estão encarcerados dos mais perigosos criminosos da nação. Quando se pára nos semáforos da longa avenida, mesmo em frente à entrada da penitenciária, vê-se tantas vezes mulheres acompanhadas de crianças,  carregadas de sacos e até cestas, a entrar no estabelecimento prisional. 


Abrandei no amarelo. O vermelho caiu e eu fiquei ali parada na fila da frente à espera pelo verde do semáforo.  
Pouco mais de 5 metros à minha frente encostada ao passeio da direita uma mulher saiu do carro. Era uma mulher nova, na casa dos trinta e poucos, cabelo comprido e camisola vermelha. Empoleirou-se na ombreira da porta do carro e virada para a penitenciária começou a acenar um cachecol cor-de-rosa. Pôs-se em pontinhas dos pés, a atirar beijos e mesmo de perfil eu conseguia ver-lhe um sorriso rasgado. Virei a minha atenção para o edifício da penitenciária e de uma janela vi um braço acenar. Olhei novamente para a mulher e reparei que lhe escorriam lágrimas pela cara, tantas quantas uma mulher é capaz de chorar por amor. Fosse amor pelo namorado, o marido, o pai, o irmão ou o primo. Era amor. E assim foi a primeira vez que vi amor em Secondigliano. 

Esta é a foto possível da penitenciária de Secondigliano. Há-de estar alguém a acenar nesta foto.

1 comentário:

  1. Secondigliano. Como um sítio tão feio torna-se de um momento para o outro tão belo.

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